A Justiça entre o dado contábil e o valor social

Publicado em 11 de agosto de 2025

A Justiça entre o dado contábil e o valor social

Publicado em 11 de agosto de 2025

Muito se discute sobre o custo do Poder Judiciário no Brasil. De acordo com estudo divulgado no início do ano pelo Tesouro Nacional, os gastos públicos vinculados à função orçamentária “Ordem pública e segurança” — especificamente na subfunção “Tribunais de Justiça”, que abrange não apenas os próprios tribunais, mas também outras instituições essenciais à Justiça — cresceram de 3,1% em 2023 para 3,2% em 2024. Na comparação com o PIB, a elevação foi de 1,3% para 1,4%.

Das muitas opiniões sobre o tema, chama a atenção a afirmação de que o investimento não resultou em diminuição do número de processos, sugerindo falta de eficiência na máquina judiciária.

Visando a contribuir com o debate, proponho duas reflexões. A primeira se dá a partir do entendimento do destino desses recursos. Os tribunais são apenas uma parte do Poder Judiciário, cuja estrutura alcança também varas e juizados. E o Judiciário, por sua vez, está inserido no sistema de Justiça — que abrange Ministério Público, Advocacia Pública e outras instituições indispensáveis ao funcionamento da Justiça. Portanto, tratar a despesa da Justiça como se fosse restrita aos tribunais reduz a complexidade do tema.

Além disso, a rubrica orçamentária escolhida não contempla o todo da atuação jurisdicional, que não se limita a ordem pública e segurança. Alcançamos todas as dimensões onde se faz necessária a proteção de direitos e garantias fundamentais.

A segunda reflexão diz respeito à qualidade do serviço judiciário brasileiro. Reduzir o número de processos é um dos objetivos de quem atua no sistema de Justiça. Mas não só, já que novos desafios qualitativos surgiram com o passar dos anos, especialmente após o advento da Constituição Federal de 1988.

A Justiça é um direito essencial, assim como o acesso à saúde. Ambos os sistemas exigem estruturas públicas robustas para funcionar. São serviços que atuam principalmente no pós-fato: ainda que contribuam com a prevenção, seu foco está na reparação.

A atuação judiciária tem como ponto de partida um evento anterior, a exemplo do sistema de saúde. E, quanto mais atua, maior a confiança da população. A prestação qualificada do serviço incentiva a busca pela cura ou pela solução do conflito, ampliando a presença do Estado.

É possível chegar a algumas conclusões. A primeira é que o aumento da confiança na atuação jurisdicional permite que violações de direitos sejam interrompidas a tempo, possibilitando o restabelecimento da situação a seu statu quo ante.

A segunda é que, ainda que não haja redução expressiva do acervo de processos, é preciso reconhecer uma evidente qualificação do tipo de litígio. Isso porque, ao lançar luz sobre determinadas demandas, constata-se que muitas exigem análise e solução administrativa — como as execuções fiscais — antes de ser encaminhadas ao Judiciário.

Em terceiro lugar, é preciso analisar o tempo de resposta. Um litígio que se prolonga é dano para todos. Por isso, os investimentos se justificam quando aceleram o processo, o que resulta em paz social concreta e efetiva.

Por fim, por que as pessoas adoecem? Em geral, por ausência de saneamento ou alimentação adequada. E por que surgem os litígios? Por atos que, na percepção das pessoas, violam seus direitos. Reduzir as causas, com certeza, produzirá redução de doenças e de disputas judiciais.

É preciso compreender essas causas estruturais para discutir com responsabilidade os custos e os investimentos no sistema de Justiça. O valor da paz social não pode ser mensurado apenas em percentuais de despesa. Deve ser avaliado à luz do que se conquista quando a justiça é feita: o restabelecimento do equilíbrio social.

*Fonte: O Globo*

*Escrito por: Francisco Oliveira Neto, professor doutor da Universidade Federal de Santa Catarina, é presidente do Conselho de Presidentes dos Tribunais de Justiça do Brasil e do Tribunal de Justiça de Santa Catarina*

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