O segundo dia do XV Encontro do Conselho de Presidentes dos Tribunais de Justiça do Brasil (Consepre) começou com uma reunião entre os presidentes dos tribunais e o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Também participaram o ministro Herman Benjamin, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e Mauro Campbell Marques, corregedor nacional de Justiça. Em seguida, no primeiro painel técnico do evento, o foco se voltou ao papel dos tribunais estaduais na implementação do Pena Justa, ação nacional sem precedentes voltada ao enfrentamento da crise no sistema prisional brasileiro, no qual atualmente 711.054 pessoas cumprem pena.
Na abertura, o presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) e do Consepre, desembargador Francisco Oliveira Neto, destacou a importância do diálogo na construção conjunta de soluções para os desafios da Justiça brasileira. Para ele, o Pena Justa é resultado de uma mudança cultural que reconhece a execução penal como parte essencial da atividade jurisdicional. “A paz social, que é a nossa missão, só ocorre quando efetivamente uma pena justa é aplicada. Nem mais, nem menos, mas aquilo que foi determinado. A sentença é apenas uma etapa”, afirmou o desembargador.
Resposta histórica
O painel teve como primeiro expositor o juiz auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (DMF), Luís Geraldo Sant’Ana Lanfredi. Ele destacou a responsabilidade do Poder Judiciário na crise do sistema penal e classificou o Pena Justa como uma resposta histórica à violação de direitos fundamentais.
O objetivo do Pena Justa é apresentar soluções para os principais desafios do sistema, como superlotação, infraestrutura precária, falta de atendimento médico adequado, deficiências na gestão processual dos apenados e condições insatisfatórias de higiene e alimentação. Por meio de Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), o STF reconheceu a existência de violações sistemáticas de direitos humanos nas prisões brasileiras e classificou a situação como um estado de coisas inconstitucional.
A partir daí, impôs obrigações ao Estado brasileiro para garantir a efetividade de direitos fundamentais. “O sistema prisional não é uma questão apenas do Executivo. As pessoas estão ali dentro por decisão judicial. Somos nós, juízes, que colocamos e tiramos de lá”, afirmou Lanfredi. Segundo ele, a forma como o Judiciário atua tem impacto direto na segurança pública, sendo essencial repensar tanto a porta de entrada quanto a de saída das prisões, com foco na efetividade das decisões e na reintegração social. “A principal mazela do sistema prisional é a superlotação, e a superlotação corrompe todo o sistema na sua realização prática, na medida em que drena todos os recursos, evitando que as políticas possam alcançar a universalidade daquele público de uma maneira adequada”, enfatizou.
Dessa forma, na prática, o Pena Justa faz com que o Estado reassuma o controle do sistema carcerário. “Nunca estivemos tão perto de uma abordagem realmente sistêmica, com foco em metas e efetividade”, destacou. Segundo o magistrado, o papel dos tribunais de justiça é fundamental, porque é nos estados que esse plano vai se tornar realidade. Ele encerrou a fala destacando o sentido maior do trabalho. “Temos aqui uma oportunidade rara, talvez única, de contribuir para um país mais justo, mais seguro e com um Judiciário que pensa a dignidade da pessoa humana. O Pena Justa é isso: responsabilizar com equilíbrio e garantir condições reais de retorno à convivência social”, pontuou.
Pioneirismo de SC
Na sequência, o juiz auxiliar da Presidência do CNJ João Felipe Menezes Lopes apresentou dois sistemas diretamente vinculados ao plano: o Saref (Sistema de Apresentação Remota de Pessoas em Liberdade) e o BNMP 3.0 (Banco Nacional de Medidas Penais e Prisões). Ele enalteceu o pioneirismo de Santa Catarina, primeiro estado a adotar o Saref.
Ele citou um relato ocorrido em Santa Catarina, durante a implantação do sistema, em que uma mulher relatou que deixou de precisar atravessar longas distâncias todo mês para acompanhar o pai até o fórum, deixando os filhos sozinhos em casa. “Aquele comparecimento penalizava não apenas o condenado, mas a filha, os netos, toda a família. O que estamos propondo é a individualização real da pena”, assinalou.
Já o BNMP 3.0, explicou o juiz, reúne dados qualitativos e quantitativos sobre a população carcerária. Segundo ele, os dados alimentados pelos tribunais ajudarão a responder perguntas cada vez mais demandadas pela imprensa e pela sociedade. “Os tribunais precisam estar preparados. A imprensa vai buscar esses dados e os painéis públicos já estão sendo estruturados para isso. É um esforço que vai permitir diagnósticos mais precisos e políticas mais eficientes”, ressaltou.
João Felipe finalizou sua exposição reforçando o papel estratégico dos presidentes de tribunais. “Tanto nas políticas mais fáceis de implementar quanto nas mais complexas, é fundamental que os tribunais assumam esse protagonismo. O Pena Justa é mais que uma diretriz: é uma responsabilidade compartilhada com a sociedade brasileira”, finalizou.